
O ser humano é peça fundamental de qualquer sistema. Sofre pressões internas e externas, portanto está sempre agindo ou reagindo a essas pressões, mesmo que a omissão seja a sua escolha. Nossas ações e reações estão fundamentadas no desejo intrínseco à natureza humana de sermos superiores e dominantes em relação ao outro, por mais que isso seja difícil de admitir para muitos.
Nos relacionamentos isto perdura. Quando escolhemos alguém, somos guiados pela capacidade de concretização deste desejo. Essa relação nos oferece algo que, aos nossos olhos, nos torna superiores.
O estranho é que o mesmo sentimento que nos leva a escolher com quem nos relacionamos é o que também nos faz permanecer em um relacionamento, mesmo que ele seja abusivo.
Como surge um abusador?

Quem deseja entender a razão da existência de um abusador, precisa compreender que o abuso só ocorre hoje porque lá atrás – nos primeiros anos de vida dos envolvidos, em seus relacionamentos familiares – houve uma vivência abusiva determinante em relação ao abusado e ao abusador.
Alguém foi responsável pela formação do caráter que determina os comportamentos observados daquele que agride e do que se submete à agressão.
Ambos tiveram seu psiquismo comprometido devido a vivências de abuso. Foram observadores de situações abusivas de seus pais ou viveram o abuso em relação a si próprios.
Isto precisa ficar claro pois existem raríssimas exceções nestes contextos.
Nenhum tipo de abuso deixará os envolvidos livres de sequelas. Crianças que vivenciam situações abusivas entre os pais desenvolvem comportamentos sintomáticos que lhes causarão sofrimentos muitas vezes vistos como inexplicáveis. Caso o abuso ocorra em relação a elas os sintomas serão ainda mais graves. Assim surgem as duas figuras: abusado e abusador.
Existem diferentes tipos de abuso

Quando falamos em relacionamentos abusivos, logo traçamos um quadro mental de uma relação homem/mulher, quase sempre pensando em um marido abusivo que maltrata a esposa verbal ou a violenta fisicamente. Primeiramente é preciso desconstruir essa imagem, pois relacionamentos abusivos podem ocorrer em qualquer tipo de relação, até mesmo em amizades ou no trabalho. Quando se fala em crianças, alguns pais vêem como abuso somente agressões físicas ou sexuais, porém existem diversas outras formas de abuso tão prejudiciais quanto.
Quando submeto uma criança a qualquer atividade que a prive de ser criança ela está sob abuso.
Muitos pais colocam os filhos em papéis incompatíveis com suas idades, transformando-os em pequenos adultos sem perceberem o mal que lhes causam. Darei alguns exemplos de situações que algumas pessoas podem considerar como “normais” mas que também se caracterizam em abuso:
- Uma criança que é obrigada a cuidar dos irmãos, por exemplo, como se mãe deles fosse, está sofrendo abuso, pois terá sequelas psicológicas por toda a vida como consequência de ter queimado etapas. Esta é uma das piores formas de abuso e que passa despercebida a diversas mães;

- Transformar filhos em confidentes e ou parceiros ocupando o “lugar do homem” da casa também é abuso, a criança/adolescente não tem maturidade para este papel e também terá sequelas futuras;
- Tentar se realizar através dos filhos guiando-os profissionalmente pelo nosso desejo destrói qualquer capacidade de realização que ele possa ter no futuro pois não terá prazer no que faz;
- Transformar os filhos em eternas crianças pela presença impositiva como mães os leva ao não amadurecimento. Existem mulheres que continuam ocupando o lugar de mães na vida dos filhos mesmo quando já são adultos, não permitindo que eles se tornem adultos completos. Estão sempre presentes em suas vidas físicas ou psíquicas decidindo, opinando e direcionando suas escolhas. Elas os transformam em credores de uma dívida impagável pelo que lhes ofereceram, pois o preço desta dívida é uma obediência velada disfarçada de gratidão. Perdem a consciência de que ser mãe é um papel limitado e finito que elas escolheram. Ele não teve opção de escolha e agora também não a tem. A única escolha que tem é ser filho e servil em tempo integral. Ser filho eterno sobrepõe-se a todas as outras funções impedindo que ele amadureça. Isso também caracteriza abuso.
Filhos de relações assim terão suas vidas ceifadas e limitadas. Por mais que tentem, apenas conseguirão uma vida paralela e secundária. Jamais serão adultos o suficiente para livrarem-se da dependência a que são submetidos. O que resultará dessas relações será sempre um sofrimento, mesmo que não seja claro, porque ninguém pode ser feliz sob abuso.
O abusado porque se sente pressionado, o abusador porque não é amado. Pode ser temido ou tolerado mas jamais amado.
Concluindo

Primeiramente é importante que você aprenda a identificar as várias situações de abuso que estão ocorrendo ao seu redor, ou pior ainda, em que você participa como abusado ou abusador. O primeiro passo para a solução desses problemas é identificar, aceitar sua existência. Por mais que eu tenha dado alguns exemplos, saiba que as situações de abuso são tão diversas e complexas que é preciso ficar atento e analisar em sua vida se em algum momento você se sente privada em sua liberdade de:
- Ser mulher;
- De fazer/não fazer sexo;
- De trabalhar;
- De encontrar amigos;
- De cuidar dos filhos;
- De ir e vir;
- E diversos outras liberdades.
E em relação aos seus filhos, é preciso que você verifique sempre se os estão privando de:
- Viver cada fase da vida com alegria;
- De ser aquilo que são;
- De namorar e conhecer outras pessoas;
- De estar com os amigos;
- De fazer as próprias escolhas por mais básicas que sejam;
- Para as crianças, de brincar com liberdade;
- De conhecer o próprio corpo;
- Etc, etc, etc.
Portanto, se você está vivendo qualquer situação que lhe cause sofrimento observe quem o provoca e saiba que você pode decidir por fim a este sofrimento porque “nem toda forma de amor vale a pena”. Se você está causando dor a alguém, perceba que por trás de sua atitude existe um prazer não revelado que no futuro cobrará o seu preço em dor. Liberte-se e liberte quem quer que seja que esteja provocando ou recebendo sua infelicidade.
Amar é, em primeiro lugar, querer o bem do outro. Se for um amor em relação a nossos filhos, muitas vezes o bem deles fala mais alto até mesmo do que o nosso próprio.
Para esse amor se manifestar, precisamos dar-lhes a liberdade de que tanto necessitam. Se o que está oferecendo ou recebendo causa dor a você ou ao outro, então não é amor.