
Viver em função de outrem, mesmo que este outro alguém seja um filho nos tira a capacidade de sentirmos prazer pois o prazer está diretamente ligado a satisfação dos nossos desejos e vontades. Não se pode viver uma vida plena se se vive apenas por aquilo que os outros desejam, que os outros querem ou, pior ainda, que outros exigem de nós.
Portanto, há de haver um olhar mais compassivo sobre mulheres que se encontram vivendo a função de mãe.
É preciso abandonar a ideia de que uma mãe precisa perder sua humanidade em prol de uma santificação impossível, abandonar-se a si mesma para viver apenas em função de filhos e familiares.
Esse erro crasso de nossa sociedade destrói a mulher que mora dentro de cada uma de nós e que urge por manifestar-se. Sermos mães não nos faz capazes de nos tornarmos santas. Esta tentativa nos esvazia de nós mesmas e isto nos adoece, porque nos faz abandonar as nossas necessidades mais profundas como mulheres e nos focarmos em atender as necessidades dos filhos, abdicarmos completamente dos nossos desejos e vontades, vivendo uma vida sem gozo. E onde não há alegria, há adoecimento.
Será que estou deixando meu papel de mãe sobressair-se ao meu papel de mulher?

Ao sugerir as mulheres que elas podem estar se deixando afundar em seu papel de mãe, a grande maioria responde imediatamente que não, que o que estou dizendo é um absurdo. Mas existe algo que as choca. Algo que nos faz cair do lugar em que nos colocaram. A simples pergunta: quais são seus desejos e vontades?
Pensem nisso com todas as suas forças, com toda a profundidade que cabe à pergunta.
Quais são seus desejos e vontades?
Não estou lhe perguntando sobre as necessidades relacionadas aos filhos, marido, família ou trabalho, mas às suas, como indivíduo, como mulher.
A maioria de nós não encontraria a resposta satisfatória. No consultório, muitas começam a chorar ou a dar justificativas, não a mim mas a si mesmas e, na tentativa de camuflar a própria dor, deixam a mãe assumir o papel com colocações vãs tais como:
- Tenho tudo que uma pessoa precisa. Tenho filhos saudáveis, um marido bom, vida financeira estável…
- Não posso desejar mais nada, sou privilegiada;
- Sou uma pessoa realizada;
- O que quero é meu filho feliz, só isso;
- Se reclamar de qualquer coisa, estou sendo injusta;
- Quero ser uma mãe melhor. Etc, etc, etc…
E então por que não está feliz? Que vazio é esse, se nada falta?

Na verdade tudo falta porque esta adulta que realiza o papel de mãe perdeu-se da mulher dentro de si em prol da mãe que se tornou; da esposa e de tantas outras representações que acreditou ser. Encontrar essa pessoa escondida sob tantos papéis é o caminho para ser uma boa mãe, pois é esta mulher que guia e sustenta a mãe, a esposa, a amiga, a profissional e todas as outras funções pelas quais ela transita.
É preciso voltar o olhar para quem somos por trás de todas estas representações. Quando este olhar conseguir enxergar além do que vê refletido nas sombras do que deixamos de ser, enxergaremos que somos apenas mulheres com todas as nossas limitações e capacidades brincando de deusas diante da nossa humanidade na tentativa de sermos divinas em relação aos nossos filhos.
Mesmo sendo mãe ainda sou mulher. O que devo fazer?

Nossos filhos merecem o melhor de nós mas não podemos dar o que não possuímos. Já aprendemos que só podemos amar o próximo se antes amarmos a nós mesmos. Este é o segredo. E para a pergunta que aflige todas nós:
“O que posso fazer pelos meus filhos nesse mundo difícil e cheio de papéis e representações que tenho que realizar?”
A resposta será sempre a mesma: curarmos nossas dores, amarmos a nós mesmas antes de nos aventuramos curá-los a amá-los.O olhar de uma boa mãe sempre nos foi exigido tendo como foco os nossas proles, mas posso lhes afirmar que ser o foco de um olhar distorcido é mais doloroso do que não ser visto. Por isso encontrar-se como mulher é o primeiro passo para que você se torne uma excelente mãe. Não existem excelentes mães que não tenham descoberto seu papel como mulheres em primeira instância.
Tá bom, me perdi em meu papel de mãe. E agora?

Não poder corresponder a este papel de “mãe perfeita” causa tanta angústia que nos perdemos em meio a essa loucura social. Espera-se de nós amor incondicional, dedicação total, tempo integral ou de qualidade, contenção de instintos, tudo em nome de sermos uma boa mãe.
Há uma dicotomia em tudo isso. Nos ensinaram que ser mãe é sacrifício, é “padecer no paraíso”; paraíso que nunca encontramos. Isto precisa ser desmistificado. Sacrifício e padecimento geram dor e dor é algo que precisa ser superado se quisermos ter filhos saudáveis.
É por isso que precisamos aprender a sermos mulheres, mulheres para além deste papel santo e falso.
Negar este mulher é derrotar a capacidade de sermos inteiras pois ela é a melhor parte de todas as representações pelas quais percorremos. Sem ela toda e qualquer função será insuficiente. Precisamos dar vida a este ser para que a mãe de nossos filhos seja “parida” com todas as capacidades necessárias a esta função. Somente esta mulher pode ser a mãe que seu filho merece ter.