A maneira como vemos as situações determinam como elas são. Em uma palestra sobre filosofia, ouvi a seguinte frase:
“Há quem passe pela floresta e só enxergue lenha para sua fogueira”.
Fiquei surpresa e pensativa. Como pode alguém olhar para uma floresta e não ver a exuberância do verde, a harmonia da vida e a presença da paz? Isto me deixou muito intrigada. Achei um exagero completo num primeiro momento. Porém, tudo o que nos confunde um dia se revela em outro mais a frente. E numa situação em que pude vivenciar a história de duas mães, aprendi que a frase encerrava um tom de verdade. Ou seja, a beleza ou feiura podem estar realmente nos olhos de quem vê as mais distintas situações que ocorrem em nossas vidas.

A felicidade ou infelicidade pode ser determinada pela postura que está na mente de quem as experimenta.
E isso significa que podemos modificar nosso estado apenas resignificando a nossa própria realidade.
Vou lhes dar um exemplo do que vivi pelos caminhos da minha vida como psicanalista. Ouvi uma história muito semelhante de duas mulheres distintas. É praticamente a mesma história, mas os olhares são totalmente divergentes:
O olhar para o copo meio vazio

Uma delas em meu consultório, ainda sentada sobre o divã, com um olhar assustado e semblante sofrido, dizia-me:
“Sabe doutora, eu não sei o que fazer. Não posso ser feliz. Nada pode tirar de mim esta dor. Deus não foi bom comigo, me castigou sem motivos. O que me traz aqui é esta dor que me aperta o peito.”
Seus olhos neste momento já não me fitavam mais. Estavam voltados para o chão como se mergulhassem em suas memórias. Lágrimas corriam por sua face. E continuou a falar agora envolta em sua dor:
“Eu sempre quis ter filhos. Tive muita dificuldade para engravidar, era o meu sonho. Após vários tratamentos finalmente aconteceu e para minha surpresa, engravidei de gêmeos.
Foi uma gravidez complicada mas consegui vencer. Dei a luz a duas meninas. Elas nasceram muito fraquinhas, prematuras. Os médicos foram muito dedicados mas mesmo assim uma delas não resistiu. Fiquei com apenas uma delas em meus braços. Ela resistiu e agora tem quatorze anos. Mês que vem vamos comemorar os quinze anos dela e a dor não passa, não estou mais aguentando:
Como posso aceitar que a outra não esteja comigo, que ela se foi?
Eu não merecia perder a minha menina. Não posso ser feliz. Eu perdi minha alegria, minha felicidade, tudo que tinha naquele dia. Depois ainda perdi meu marido. Ele não compreendeu a minha dor e me deixou. Ninguém pode compreender porque ninguém passou pelo que passei. Não entendo porque Deus fez isso comigo. Como posso comemorar os quinze anos de uma filha se a outra não está comigo? São quatorze anos de sofrimento e dor. Uma tristeza sem tamanho. Não posso, não posso.”
Mergulhou então em um choro convulsivo que sacudia todo o seu corpo. Olhei-a com extrema compaixão pois sou mãe e sei como ela poderia estar se sentindo. Minha mente tentava compreendê-la e ajudá-la, ao mesmo tempo que se recordava de outra história que havia escutado há poucos dias nos corredores de um supermercado.
O olhar para o copo meio cheio

Observei, ao fazer as minhas compras, uma mulher com um olhar tão radiante que desejei aproximar-me dela. Cumprimentei-a e logo percebi seu olhar fixo em uma adolescente que, muito sorridente, escolhia coisas de adolescente e abastecia seu carrinho. Esta mulher com uma alegria contagiante perguntou-me:
“A senhora tem filho?”
Respondi que sim e ela continuou:
“É uma benção, não é? Eu sou uma mulher muito abençoada. Eu sempre quis ser mãe mas tive muita dificuldade para engravidar. Fiz diversos tratamentos e depois de várias tentativas frustradas, finalmente consegui engravidar. E, para minha surpresa, fiquei grávida de gêmeos. Tive uma gravidez complicada mas finalmente elas nasceram, duas meninas. Eram muito fraquinhas, prematuras. Os médicos foram muito bons comigo, fizeram tudo que podiam mas mesmo assim uma delas não resistiu. Foi sofrido perdê-la, mas aquela ali sobreviveu. Não é uma benção?!
São quatorze anos de alegria e felicidade por tê-la conosco. As duas eram tão fraquinhas que foi um milagre que esta tenha resistido. Mês que vem ela faz quinze anos e fico imaginando como será maravilhoso vê-la bailando pelo salão nos braços do pai. Deus foi muito bom comigo e eu só posso ser grata por tamanha benção.”
Seus olhos também choravam neste momento mas um choro tão doce que era de paz. Senti amor por ela e, sem conseguir falar, só pude compartilhar com ela a mesma felicidade dentro das minhas memórias, onde moram agora duas mulheres com duas estórias, tão iguais e tão opostas ao mesmo tempo.
Concluindo
As situações se apresentam a nós como são, sem que tenhamos controle sobre isso, mas a maneira como vamos experimentá-las é escolha nossa. Se colocarmos nossa atenção na nossa fogueira, tudo que veremos na floresta será lenha para alimentá-la. Se apenas desfrutarmos do que ela nos proporciona, quando o sol nascer pela manhã, nos oferecendo luz e calor, já não haverá necessidade de reabastecê-la. Como está o nosso olhar em relação aos nossos filhos? Fixados em suas dificuldades ou no brilho de suas virtudes?